Aviso: Este texto pode não ser para aqueles que preferem evitar o desconforto do medo. Porém, se está pronto para desbravar seus receios, leia com atenção.
Quando observamos a realidade atentamente, logo percebemos que o medo é uma condição natural e crucial para a sobrevivência humana. É uma ferramenta inerente de autopreservação, arraigada em nosso DNA. Negá-lo é humanamente impossível; o medo é um fato irrefutável. A questão central, então, é como lidamos com esse sentimento?
Enfrentamos diferentes níveis de medo e dele extraímos nossa sobrevivência ou nossa própria destruição. O medo não é uma anomalia da vida humana; é uma reação diante da iminência do maior de todos os medos: a morte, seja ela real ou ilusória. Nossa percepção limitada muitas vezes nos impede de distinguir o real do imaginário, o perigo genuíno do fictício, a fuga da luta. Em resumo, a linha tênue entre viver e morrer. Ao investigar a origem do medo, chegamos à conclusão de que todos eles têm como raiz o temor da morte - o soberano dos medos.
Coragem não é a ausência de medo, mas a capacidade de agir apesar dele. - John Maxwell
Essa dificuldade em discernir o verdadeiro do falso surge quando nos desconectamos da realidade, mesmo ela estando diante de nossos olhos. É curioso porque o corpo físico está sempre no presente, testemunhando a dádiva da vida, enquanto a mente, ansiosa e divagante, muitas vezes está presa entre passado e futuro. Quando a mente se desconecta do presente real e concreto, flutua na linha do tempo, gerando ilusões sobre o contexto em que nos encontramos.
Essa confusão ocorre devido ao desenvolvimento ao longo da vida de uma visão distorcida do senso de proporção das coisas, enxergando apenas o próprio umbigo, ignorando a autopreservação. Assim, produzimos diferentes tipos de medos que se alimentam entre si, baseados em símbolos autodestrutivos, já que a mente é uma construção simbólica e mítica. Continuamos a acreditar, mesmo quando adultos, que o "cobertor" é a melhor fuga do "bicho-papão".
A realidade presente, sensível e percebida no momento, ao contrário do sofrimento causado ao evitá-la, é um presente valioso do Criador para todos nós. Percebemos essa realidade ao contemplar a transcendência e ao ampliar nossa inteligência para perceber a verdade.
A compreensão da realidade, ao refletirmos sobre os fenômenos naturais, revela ao coração humano a beleza onipresente da criação. Essa beleza está na natureza, nos sorrisos, nos olhares acolhedores, na arquitetura, na música, na poesia; está em toda a manifestação do belo. Ao compreender esse ensinamento primordial, o coração tem a chance de se acalmar e encontrar proteção, dissipando o medo desenfreado sob o afago do amor universal.
A questão fundamental que se apresenta é: como gerenciar a cultura do medo que aprisiona tantos corações, especialmente em tempos pós-pandêmicos e seus efeitos destrutivos? É essencial investigar mais profundamente as origens do medo para compreender suas artimanhas e perigos. Essa tentativa parte da observação do entorno e da conexão com a realidade, já que é nela que encontraremos possíveis respostas. Afinal, onde mais estaria a realidade, senão dentro de nosso alcance?
Percebo em meus alunos de yoga e artes marciais um desejo de minimizar o impacto do medo, insegurança e impotência em suas vidas cotidianas. Buscam uma sensação tangível de segurança física, mental e emocional, não apenas como uma noção, mas como uma realidade a ser vivenciada. Muitas vezes, esse medo, oculto e arraigado na psique, não é prontamente revelado. Identifico-o em gestos, palavras, na respiração, buscando resolver algo que, provavelmente, se agravará sem uma mudança de comportamento.
Minhas impressões e estratégias sobre como gerenciar o medo vêm da prática do yoga, artes marciais, religião e filosofia, áreas que estudo e pratico há mais de trinta anos. Além de um histórico que revelou o valor da coragem e as armadilhas do medo, busco alinhar minha inteligência a três fontes de conhecimento: espiritualidade (em minha prática religiosa), ciência e filosofia. Para mim, a prática desses três verbos - crer, ter e ser - equilibra minha vida, proporcionando discernimento, saúde integral e, o mais crucial, a capacidade de permanecer conectado à realidade.
Então, faço uma pergunta direta: "Do que você tem medo?"
Segundo São Tomás de Aquino, a diferença crucial entre ódio e medo depende do tipo de adversário que enfrentamos. Se percebemos alguém mais forte e perigoso, sentimos medo. Enquanto, ao enfrentar alguém que julgamos mais fraco, geralmente sentimos raiva ou ódio.
Essa distinção é crucial ao observarmos as áreas em que atuamos. Quando sentimos raiva ou ódio por algo, se não transformamos esses sentimentos em algo positivo, tendemos a alimentá-los contra os objetos de nossas preocupações, o que, inevitavelmente, termina mal. A questão é como transformar raiva e ódio em energia motivadora, convertendo problemas em soluções sem desequilibrar a harmonia natural das coisas.
Quando o medo de ser "destruído" surge, precisamos nos perguntar se a pessoa, circunstância ou cenário realmente pretende nos agredir fisicamente. A realidade costuma dissipar essa ilusão, trazendo coragem ao coração. Muitos medos são frutos de nossas inseguranças e suposições alimentadas por circunstâncias prováveis, mas em cenários inexistentes. Ao despertar para essa realidade, enxergamos o contexto com mais clareza e serenidade.
Após essa reflexão, é vital avaliar o verdadeiro risco de nossos medos comparando-os à realidade em que vivemos. Utilizando uma percepção clara e um senso de proporção das coisas alinhado com a realidade que testemunhamos todos os dias. Esse exercício tende a reduzir a intensidade do medo. Se persistir, talvez seja necessário buscar ajuda profissional.
Aprecie a beleza como fonte primordial de conexão com a realidade. Contemple a beleza presente na natureza, nos sorrisos, na música, na poesia e no belo em todas as suas manifestações. Retorne às origens de sua formação espiritual, pratique o verbo crer. Cuide do corpo e da mente através de exercícios físicos. Aprimore a inteligência com o estudo e o autoconhecimento. Cultive um senso de humor inteligente. Alimente-se adequadamente. Pratique o amor ao próximo e mantenha o coração conectado ao bem e à verdade. Essas ações simples afastam a mente dos medos desenfreados, trazendo ao coração uma sensação genuína de estabilidade, paz e conforto.
A verdadeira coragem não evita o medo, mas é a capacidade de gerenciá-lo sem ser controlado por ele.
Ao refletirmos sobre nossos medos, é crucial questionar se eles são fruto de nossa incapacidade de lidar com circunstâncias desconfortáveis ou se foram gradativamente infiltrados em nosso coração sem nossa consciência. Talvez sejam resultado de ambos. Essa é uma reflexão difícil, porém necessária. Estamos condicionados ao erro de julgamento devido aos vícios de aprendizado ao longo da vida e à predisposição em abraçar a ilusão em detrimento da realidade.
A realidade é aquilo que é, independente de nossa existência ou interferência. Não moldamos o universo conforme desejamos. Quando tentamos alterar a ordem natural das coisas, geramos sofrimento, dor e medo. Para mim, a realidade, além de um fato incontestável percebido pela inteligência, é a presença da Graça Divina em nossas vidas. Há tantas evidências dessa Presença à nossa volta que não percebê-las é ignorância pura. A inteligência nos permite maravilhar diante da Realidade, é um presente para nos conectarmos com ela e cumprirmos nossa vocação existencial.
A verdadeira coragem não é a ausência do medo, mas a capacidade de gerenciá-lo sem ser controlado por ele. Desperte sua coragem através da inteligência. Questione o senso comum, ouça o contraditório, identifique verdades e mentiras. Seja livre em seus pensamentos, palavras e ações, opondo-se a tudo que oprime sua capacidade de reconhecer a realidade. Afaste-se de ideologias e cultive o aprimoramento do caráter. Somente assim poderá viver livre das garras do medo.
Uma dose de coragem pra gente! Valeu, professor!