Por que existimos?
Compreendendo a verdadeira natureza do Ser
A humanidade, ao longo de sua história, vem se desenvolvendo de forma bastante intrigante sob o ponto de vista do conhecimento. Observamos que ciência e espiritualidade, modernidade e tradição, parecem crescerem juntas, buscando uma inevitável e bem-vinda integração do indivíduo. Isso, é claro, advindo de um discreto movimento acadêmico promovido por estudiosos confiáveis de diferentes correntes do conhecimento que mantêm entre si um sentimento comum de respeito e colaboração - é isso, pelo menos, que tentam transmitir. A integração do saber é, sem dúvida, o elo forte do desenvolvimento do conhecimento. A união correta das esferas do saber leva ao enriquecimento interior do indivíduo; a separação, ao seu inevitável enfraquecimento. Não podemos pensar num futuro adequado sem aceitar a integração como parte desse processo. Unir e democratizar o saber é a ação de ordem para o desenvolvimento.
Ao traçarmos uma linha do tempo neste paralelo, percebemos que o início de nossa história, enquanto espécie humana, foi marcado por um primitivismo em que a força e a barbárie eram características marcantes no organismo social. Estávamos e continuamos em um lento processo de evolução do primitivismo ao evolucionismo, da força à sutilidade, da ignorância à sabedoria, da separação à união.
Grande parte de nossa história foi tristemente marcada pela destruição de muitas, talvez incontáveis nações e culturas pacíficas. Muitas dessas eram extremamente desenvolvidas nas artes, ciência, cultura e conhecimento, mas não nas artes bélicas e, por essa razão, foram quase que dizimadas por seus algozes invasores, que roubaram cruelmente suas ciências, riquezas, culturas, conhecimentos e oprimiram todo um modo de vida, a ponto de modificarem seus hábitos, crenças e valores. Afinal, como poderiam povos pacíficos subjugar invasores guerreiros, superiores em verdade nas artes da guerra, mas supostamente ignorantes nas diferentes esferas do conhecimento integral?
Hoje, sem dúvida, a pena é mais poderosa que a espada. Com o saber, preservamos valores, crenças e ideias. Fazemos valer nossos direitos, deveríamos praticar nosso deveres com mais prudência, buscamos vencer a injustiça, tentamos combater a opressão sem gerar violência, queremos a integração do indivíduo nas esferas do conhecimento e deixamos para a posteridade todo um legado de descobertas, avanços e conquistas. Se analisarmos o ponto de partida para todos os avanços que tivemos ao longo da história, perceberemos que a verdadeira matéria-prima de realização do indivíduo, acima das religiões, comportamentos, filosofias e leis temporais, foi o despertar da verdadeira natureza do Ser, o Eu que se manifesta em sua forma mais autêntica, o desabrochar daquilo que no Yoga e em outras tradições chamamos de Dharma, o que nascemos para Ser e Realizar. Este conceito é o que nos torna únicos e inteiros nesse complexo organismo humano ao qual pertencemos.
Antigamente, como indiquei acima, a espada era a mais importante ferramenta no manuseio da ordem, tanto política como religiosa. E, muitas vezes, ambas comungavam dos mesmos interesses. A natureza, portanto, em sua busca por equilíbrio e evolução, nos brindou ao longo da história com uma infinidade de Mestres Iluminados que inspiraram corações a refletirem sobre algo a mais que a mediocridade de uma vida ignorante, sobre algo maior que eles mesmas, e que os fizesse sentir parte de um todo, como seres ativos neste processo de evolução, e não apenas como seres passivos no processo natural das coisas.
Ao perceberem essa conexão com Deus, como parte integrante de um grande esquema universal no qual nada se encontra separado e tudo segue harmoniosamente entrelaçado numa grande rede, automaticamente o Dharma se manifesta e a verdadeira essencia do indivíduo assume o comando da vida. Para os Mestres do passado – ainda presentes na consciência humana, acima dos personagens que eles incorporaram na história –, o mais importante, por eles mesmos revelado, não eram suas personificações humanas, mas a prática diária de um modo de vida conectado com sua verdade original. O legado que deixaram para a posteridade, sendo única e exclusivamente seus exemplos de vida, marcados no tempo por seus feitos (ações em prol de algo maior que eles mesmos) e não apenas por palavras soltas aos acasos da humanidade, inspiraram, portanto, corações a seguirem em frente com determinação e coragem.
Ações concretas inspiram pessoas, palavras apenas as tocam.
O conceito do Dharma, que estou comentando aqui, é fruto da antiga cultura indiana, o Sânscrito. Este conceito defende a ideia de que possuímos uma essência iluminada, uma chispa de Deus que, como uma chama congelada, repousa em nosso âmago até o ponto de ser despertada. Então, quando acessada, ela assume o controle da vida de maneira a direcionar o personagem que construímos ao longo de nossa jornada a fazer aquilo que se nasceu para fazer. Acredita-se, segundo o Dharma, que o personagem que adotamos ao longo da vida é fruto de uma incapacidade de nos conectar com o que somos em essência sem a interferência deletéria de ego, vaidades e ilusões. Não percebemos que passamos a vida inteira investindo tempo, dinheiro e energia em um personagem que vai morrer, enquanto o despertar do Dharma é trazer à tona aquilo que está além dos personagens, aquilo que seja capaz de revelar vocações, talentos e integração absoluta com a vida. Isso liberta o indivíduo de estados inferiores de existência que promovem dor e sofrimento, angústia e ilusão. Imagine passar a vida sem saber por que existir, como alguém que sai de férias sem saber para onde vai: é muito triste, a vida torna-se vazia, sem sentido, e não importa o quanto você se esforce para ganhar dinheiro, lograr fama, prestígio e poder, ainda assim você estará vazio e infeliz. Porém, é sabido que se a verdadeira essência do indivíduo se manifesta – o Dharma, este se coloca no mundo de tal forma que é percebido em todas as direções como o sol brilhando no firmamento, sendo percebido e tocado por ele mesmo sem a interferência ativa do personagem construído a partir de ilusões, estando agora conectado com a vida, pois se encontra conectado com ele mesmo.
A integração plena consigo desperta com grande alegria. O Dharma, sedento por se manifestar, é capaz de transformar tudo o que somos naquilo que em essência sempre desejamos nos tornar, mas que sem a devida atenção e treinamento ficaria apenas na esfera do desejo. Então, se focarmos nossa vida em um treinamento constante de auto aprimoramento, teremos certamente grandes conquistas e realizações. Isso não garante que estaremos livres das adversidades, que naturalmente irão surgir em nossa jornada, mas a diferença é que passaremos por elas com mais serenidade e sabedoria, energia e compreensão, pois estaremos focados no autodesenvolvimento, e isso nos dará força, retidão e a capacidade de ter uma visão mais adequada e menos distorcida das inúmeras realidades com que travamos contato, na certeza de seguir uma única verdade, a Suprema Verdade, a que está no âmago do nosso Ser.
Para o sábio, desperto na Realidade, não há conflitos se ele estiver sentado em seu próprio ser.
Sejamos buscadores de nossa Própria Vocação Existencial, aprendamos a influenciar o mundo com o nosso Dharma, com o que nascemos para Ser e Fazer, e certamente seremos mais felizes e menos suscetíveis a ilusões de personagens alheios. Estaremos em relativa paz. Isto é praticar o Dharma.
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