Da natureza à essência do homem
“A liberdade é o nosso bem mais precioso. No caso de ter que confrontá-la com a disciplina, se esta violentar aquela, opte pela liberdade.” (DeRose)
A frase, acima, de autoria do professor DeRose, ilustra o convite que quero fazer a você para pensarmos juntos e, talvez, ao final desta reflexão, chegar a um entendimento satisfatório sobre os limites, se houver, da prática da disciplina e da liberdade.
Primeiro, como em qualquer investigação genuína, precisamos definir conceitual e fidedignamente o real significado etimológico e prático dos termos principais que usaremos neste texto - disciplina e liberdade.
Etimologicamente a palavra disciplina se originou do Latim (disciplina), que sugere “instrução, conhecimento, matéria a ser ensinada”. E essa, por sua vez, deriva da palavra discipulus, que significa “aluno, discípulo, aquele que aprende”, originária do verbo discere, “aprender”. Mais tarde a palavra disciplina assumiu, coloquialmente, o significado de “manutenção ou gerenciamento da ordem”.
Tristemente me parece que nos últimos anos - haja vista o que li em textos clássicos, aprendi de professores mais ortodoxos e, o mais importante, experienciei em minha vida, o termo disciplina sofreu, e continua sofrendo, por uma deliberada desestruturação do seu real significado e prática. Hoje a palavra disciplina está mais associada a rigidez, exageros de conduta, agressão ao corpo e mente, violência e, até mesmo, extremismos de toda natureza. Logo, obviamente, sua prática e entendimento deixa de ser convidativa ao público mais jovem e negligenciada por aqueles de mais idade e sem apreço ao significado real embutido nas palavras - sem isso, a palavra perde seu entendimento e correta expressividade.
Quando observamos os melhores resultados que tivemos em diferentes áreas da vida, facilmente chegamos a conclusão que foram resultados de um tipo de disciplina que, essencialmente, norteou nosso caminho até a conclusão do objetivo traçado.
Disciplina é uma palavra de extrema importância para poder atingir excelentes resultados em qualquer área de atuação. Uma vida sem disciplina costuma ser uma vida com muitas dificuldades, problemas e excessivo desgaste de energia.
É comum observarmos que muitas pessoas, talvez por falta de instrução adequada ou por deliberada ação daqueles que deveriam atuar como guardiões do conhecimento, foram instruídas a acreditarem que a prática da disciplina é algo a ser evitada. É um tipo de coisa que parece "fazer mal" a quem se propõe ter uma vida disciplinada. Inclusive, você e eu já ouvimos de pessoas queridas algo como: Fulano é uma pessoa legal, mas é muito disciplinada e por isso, claro, a vida dela é muito chata, sem alegria ou felicidade...
Então, que tal trocarmos, por hora, a palavra disciplina por alguns sinônimos que traduzem o mesmo entusiasmo de sua prática:
Condicionamento;
Obediência;
Subordinação;
Acatamento;
Respeito;
Observância;
Regra;
Regulamento;
Norma;
Princípio;
Ordem;
Ordenamento;
Organização;
Arrumação.
Agora, reflita sobre essas palavras e como elas estão presentes em sua vida. E se elas produzirem algum tipo de rechaçamento, talvez, você tenha sido vítima de uma deliberada doutrinação linguistica em algum momento de sua formação intelectual. Então, independente de torcer ou não o nariz para esses sinônimos, refletir sobre eles é um excelente exercício de autoconhecimento e pode revelar muito sobre a forma como você gerencia suas rotinas, conseguindo ou não, obter bons resultados. Afinal, disciplina é o alicerce do caminho da vitória.
Agora, vamos observar a palavra liberdade. Originária no latim (libertas), significa a condição que o indivíduo possui de fazer escolhas e agir de acordo com elas, respeitando a própria vontade.
Na tradição cristã, cultura que podemos considerar como a matriarca da liberdade, a palavra está mais associada com o livre-arbítrio. Já no Direito Romano, a liberdade está relacionada com os direitos de cada cidadão cumpridor de seus deveres e de determinadas regras (vemos aqui a ideia de disciplina). Já para a Filosofia, liberdade é classificada como a independência do ser humano, sua autonomia, auto-determinação, espontaneidade e intencionalidade para pensar, falar e agir.
Ao olharmos para a nossa história civilizacional e buscamos, nela, uma característica que seja marcante em todas as épocas e que, inclusive, impulsionou diferentes guerras, entendemos que a liberdade foi, então, o ativo de diferentes eras da humanidade. Todas as guerras, desde o primórdio dos tempos, foram travadas por defenderem o direito à liberdade. Mesmo que para isso fosse necessário cercear a liberdade alheia. Sim, parece e é um contra senso. Mas quando a liberdade é tratada de forma equivocada e permissiva - e isso é muito fácil de ocorrer, significa, na prática, que a liberdade de uns se estabelece na escravização de outros. É claro que algumas guerras foram lutadas, legitimamente, para defenderem o direito à liberdade tal como a desfrutamos hoje nos países livres - e devemos ser profundamente gratos e jamais nos esquecer daqueles que deram suas vidas por esse nobre ideal. E a Segunda Grande Guerra foi um exemplo disso.
Assim como no épico indiano Bhagavad-gita que ilustra a guerra, o combate, como algo sagrado e necessário, podemos entender que a liberdade está equilibrada numa linha muito tênue entre o certo e o errado, a verdade e a mentira, o bem e o mal. Desta forma, o correto discernimento e a capacidade de enxergar a verdade (dharma) diante de tantas ilusões (maya) se faz necessária para a manutenção e vigilância da liberdade, pois ela está sempre a um passo de ser extinta.
Agora, o ponto mais importante desse texto, é observar a relação entre a disciplina e a liberdade como dois elementos inseparáveis. Isto é, não há liberdade sem disciplina! A liberdade é o resultado de uma vida comprometida com o que existe de mais nobre e elevado na condição humana. É a devoção verdadeira à sacralidade da própria existência. É conferir um sentido de vida que seja maior que a própria insignificância de viver sem propósito. É trazer para a vida um tipo de sentido que eleve sua natureza primitiva, comum a todos, para níveis mais elevados da vida, para a essência espiritual que produz o verdadeiro e palpável contentamento e, às vezes, à própria felicidade. Me parece claro que o êxtase vivencial só pode vir através de uma vida disciplinada. Acredite e veja no seu dia a dia, não há liberdade sem disciplina. O que há é uma desordem generalizada que te faz, a cada escolha errada, mais prisioneiro de suas escolhas e, subsequentemente, fazendo escolhas ainda mais aprisionantes.
Meu convite a você é simples: Liberte-se através da autodisciplina (swadyaya) e do profundo estudo de si mesmo. Entregue-se ao Senhor de todos os mundos (Ishiwara para o Indus e Deus para os ocidentais). Se esforce, muito, por aquilo que precisa e deseja sem desistir (tapas) e atinja pelo caminho do autoconhecimento (samádhi) a libertação (kaivalya) dos mundos inferiores e do sofrimento demasiado. Que assim seja, hoje e sempre!
Que todos os Seres seja livres, prósperos e felizes! E cada um de nós mais receptivo!
OM Dharma!
Obrigado por compartilhar, professor.