A crença central do povo indiano é que a sua cultura persistirá por toda a eternidade. Essa crença recebe o nome de “Sanatana Dharma” – o Dharma Eterno. Dharma provêm de uma raiz verbal sânscrita que significa “segurar”. É traduzido literalmente como “aquilo que é firme”, e é associado à nossa vocação existencial. É o que nos dá sentido na vida. Ou seja, é o nosso propósito, a nossa verdade mais íntima – aquilo que nascemos para ser e realizar no mundo.
No século VI a.e.c., teve início o Hinduísmo clássico, baseado em duas ideias fundamentais. Uma dessas ideias refere-se aos brâmanes, que reforçaram seu poder, elaborando rituais cada vez mais complicados, e se tornaram conselheiros dos numerosos príncipes, dos quais recebiam muitos favores e dinheiro (dakshina). Poder esse que teve sua ruína com a queda do império romano, que deixou de insuflar riquezas na Índia - em busca de suas especiarias, tecidos e outros itens exóticos.
Nasceram, portanto, movimentos contra o excessivo ritualismo e os privilégios reservados aos brâmanes. Como é o caso do Yoga, Jainismo e Budismo, que rejeitavam a reivindicação Bramânica como única autoridade dos Vedas (conhecimento sagrado ou dos deuses). Esses movimentos pregavam a salvação, não como consequência dos sacrifícios de animais e rituais, mas como disciplina pessoal, num relacionamento da pessoa com a consciência universal, eliminando, assim, o intermediário humano.
Como reação a essa contestação, os brâmanes cederam aos apelos populares e a pequenos grupos religiosos já existentes, para organizar um panteão imenso de personagens organizados, sob o amparo da tríade divina (Brahma, Vishnu e Shiva), construindo templos e lugares de adoração.
O Bramanismo, isto é, a religião dos brâmanes, subsistiu durante vários séculos ao lado do Hinduísmo. Forçando, a contragosto da população, um sistema de castas que os beneficiava. Permitindo, por exemplo, que o Brâmane estivesse sempre no topo da sociedade.
Agora, numa visão bem resumida e sintetizada sobre o Hinduísmo, enquanto cultura religiosa, existem, essencialmente, seis maneiras diferentes de compreender o pensamento hindu. Esse olhar, dividido em seis feixes religiosos e/ou culturais, é chamado de Darshana (pontos de vista). São eles: Nyaya, Vaisheshika, Sânkya, Purva Mimamsa, Yoga, Uttara Mimamsa ou Vedanta. E um desses pontos de vista é o Yoga doutrinário, apresentado no texto célebre Yoga Sutras de Pátañjali, que define o Yoga como um Dárshana hindu.
Os Yoga Sutras é a única obra literária que define o Yoga?
Não necessariamente. Encontramos outras obras literárias na tradição do Yoga. Mas os Yoga Sutras são outorgados, oficialmente, na literatura sagrada, como a principal obra, pois define o Yoga como um Dárshana (ponto de vista) da cultura religiosa hindu. Acredita-se que a elaboração dos três primeiros “capítulos” (páda) do Yoga Sutra teve sua formulação, aproximadamente no século V a.e.c., antes mesmo do nascimento do budismo. Já o quarto páda, por conta de seu estilo literário, entende-se que foi redigido tardiamente, como um remendo, no século IV d.e.c., com forte influência budista. Os historiadores acabaram convencionando o século III ou IV a.e.c. para a preparação dos Yoga Sutras.
A popularidade do Yoga criou uma forte reação dos brâmanes de tradição védica, que tinham como fonte do seu poder, o conhecimento (jñana). Conhecimento esse que não era partilhado com a população. Por intermédio deles, dos brâmanes, é que os rituais poderiam ser realizados para produzir a libertação (kaivalya ou moksha). Nesse momento, aparece um tipo de Yoga, praticado por pessoas não “santas”, que atribui ao homem comum a responsabilidade de libertar-se do sofrimento e das ilusões, sem intermediários. Dessa maneira, mesmo o Yoga bramânico já constituído, sistematizado e embasado nos vedas, acaba tendo uma considerável diminuição de praticantes fiéis. Os brâmanes, portanto, elaboram uma estratégia para tirar a credibilidade do Yoga praticado por homens comuns, que mais à frente, na história, será chamado de Hatha Yoga. Só que os brâmanes não esperavam que o Yoga popular tivesse o massivo apoio dos kshatriyas (a casta guerreira) e os vaishyas (casta dos comerciantes e artífices). Essas duas castas (varna) são relacionadas ao kula (clã), que são de tradição familiar e que foram se estruturando em torno de uma designação conhecida pelo nome tantra. São justamente eles que mais tarde se mobilizam para defender o Yoga dos ataques dos brâmanes.
Essencialmente, o questionamento levantado contra o Yoga, da forma como foi codificado, se estabelece na prática e defende a kriyá, a atividade ou ação mental, através de técnicas meditativas, como o correto caminho para o moksha ou kaivalya (a libertação). Já os brâmanes dizem que o caminho para o moksha é o jñána (conhecimento). Esse conflito origina uma tradição muito peculiar que se conecta diretamente com as upanishadas - discursos filosóficos relacionados à religiosidade hindu, - que dão muito valor ao conhecimento (jñána), porém, sem esquecer ou negar a prática. Ou seja, as upanishadas não desautorizam ou desmerecem a prática do Yoga. Mas como esses textos estão repletos de afirmações em favor do conhecimento (jñána) e enaltecem essa relação como algo imprescindível para alcançar Brahma (Deus), acabam fortalecendo, literariamente, a argumentação do ponto de vista filosófico em favor dos brâmanes.
Em virtude dos conflitos políticos, sociais e comportamentais nas eras em que o Yoga é situado literariamente, o Yoga é, como resultado, representado em outras literaturas, como o Bhagavad-Gita, Hatha Yoga Pradipika, Gheranda Samhita, Shiva Samhita dentre outras.
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