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Foto do escritorJeff Flausino

Vriktis – Como a mente se manifesta

Atualizado: 18 de nov.

Os meios de expressão da mente segundo o yoga literário

 


A mente, desde que começamos a estudá-la, há milênios, é um mistério que ultrapassa qualquer definição convincente ou definitiva, seja na ciência, na filosofia ou na religião — as três principais linhas do conhecimento humano. A ciência tenta entendê-la com foco em determinados aspectos da realidade, mas ainda há mais perguntas do que respostas. A filosofia, por sua vez, traz reflexões, teses e teorias profundas, mas também deixa questões abertas. Já a visão religiosa entende a mente como uma operação do espírito, algo que organiza a vida e dá sentido à existência quando orientado corretamente.


O que fica claro é que não há um consenso — e talvez nem pudesse haver, dada a complexidade do tema — sobre o que a mente realmente está em sua plenitude. Cada área do conhecimento aborda apenas partes desse vasto espectro resultante da estrutura da realidade, tentando compreender como ela opera e interage com o mundo. No entanto, mesmo com esses esforços, só conseguimos identificar pistas sobre como a mente se manifesta — não controlá-la completamente (o que talvez seja impossível) ou desvendar sua origem de forma absoluta.


No yoga doutrinário, codificado há mais de 2.000 anos pelas sabedorias de Patáñjali, o profundo erudito hindu, a mente é observada de forma única. Ele explica que o estado de iluminação, chamado Samádhi — a meta do yoga — está relacionado à maneira como a mente percebe a realidade. Patáñjali também mostra que, quando a mente perde essa conexão com o real, ela gera sofrimento e dor, os chamados Kleshas .


Sofrimento que pode ser evitado é sofrimento que não existe - Patáñjali

O estudo da mente neste contexto, portanto, não busca respostas absolutas, mas sim entender como ela molda nossa experiência e aprender a lidar com seus desafios diante da realidade tal como ela é.


Na visão védica — da qual o yoga é fruto — a realidade é compreendida como uma unidade suprema e infinita chamada Brahman , uma essência eterna, imutável e transcendente de tudo o que existe. Brahman é a fonte, o sustento e o destino de toda a criação, estando além das formas e do tempo, mas também presente em tudo.


A multiplicidade percebida no mundo é considerada uma manifestação transitória ou ilusória ( Māyā ), enquanto a verdadeira natureza da realidade é não-dual ( Advaita ), onde não há separação entre o indivíduo ( Ātman ) e o absoluto ( Brahman ).


Além disso, os Vedas descrevem a Ṛta , a ordem cósmica, como a expressão visível dessa realidade suprema, regulando todo o universo. A realização direta da unidade entre o Ātman e o Brahman é o objetivo último da vida, conduzindo à libertação ( moksha ou kayvalian, no yoga de Patáñjali ).


Essa visão integra o espiritual, o cósmico (ordem) e o existencial, apontando para uma realidade única que é tanto imanente quanto transcendente.

Nesse sentido, o yoga busca apresentar alternativas eficazes para minimizar as ilusões e otimizar a capacidade de apreender a verdade e estar em perfeita comunhão com a Realidade. Para isso, é fundamental compreender como a ferramenta que temos — a mente — opera a vida diante dessa Realidade, que se impõe o tempo todo, mesmo que não desejamos sua imposição ou queiramos subverte-la entregando-se às ilusões.


Nos Yoga Sutras de Patáñjali, as expressões ou atividades da mente são chamadas de vriktis, que podem ser traduzidas como "modificações", "flutuações" ou "movimentos" mentais. Esses vriktis representam os meios pelos quais a mente interage com o mundo e percebe a realidade. Patáñjali descreve cinco tipos de vriktis no Sutra 1.5-1.6, classificando-os como sendo tanto dolorosos ( kleshas ) quanto não-dolorosos ( akliṣṭa ).


Aqui os cinco vriktis estão :


  1. Pramāṇa (conhecimento válido ou correto)

    Atribui as percepções corretas que atendem à realidade. São os meios pelos quais adquirimos conhecimento verdadeiro. É uma forma de conhecimento imediato sem a deliberação do objeto percebido. Aquilo que vemos e o que vemos se revela tal como ele é em sua essência. O que entendemos como intuição.


Mas o que é a intuição?

A intuição é um tipo de conhecimento ou compreensão imediata que surge sem a necessidade de raciocínio lógico ou análise consciente. É como uma percepção direta de algo que parece "vir de dentro", muitas vezes acompanhada de um forte senso de certeza, mesmo que não seja possível explicar racionalmente como essa compreensão foi alcançada.


Características principais da intuição:

  • Imediatismo : Não exige um processo consciente ou deliberado; o insight ocorre de forma súbita.

  • Subjetividade : Surge como um sentimento ou percepção interior.

  • Base na experiência : Embora não seja consciente, a intuição muitas vezes é moldada por conhecimentos e experiências anteriores acumuladas ao longo do tempo.

  • Universalidade : É uma capacidade humana presente em diferentes graus em todos, podendo ser mais desenvolvida por meio de práticas como meditação, autoconhecimento e atenção plena.


Visões sobre a intuição:

  • Psicologia : Considere a intuição como um processo subconsciente, no qual a mente processa informações acumuladas e apresenta respostas rápidas sem que o indivíduo fique consciente das etapas desse processo.

  • Filosofia : Para pensadores como Kant, a intuição é uma forma de apreensão imediata da realidade sensível ou do entendimento de conceitos mais profundos.

  • Espiritualidade : Nas tradições como o yoga, a intuição é vista como um aspecto da mente superior ou um canal para acessar uma verdade além do intelecto racional, conectando-se com a sabedoria universal – considerando que ela exista.


A intuição pode ser confiável em muitas situações, especialmente quando se baseia em uma combinação de experiência e sensibilidade. No entanto, também pode ser influenciado por preconceitos ou emoções, exigindo discernimento para ser usado de forma eficaz.


A verdade, que deve ser perseguida em todas as coisas é o único caminho à Realidade

Existem três fontes principais de pramāṇa :

  • Pratyakṣa : percepção direta ou observação sensorial. É a correta utilização dos órgãos de percepção (tato, visão, paladar, olfato e audição) para apreender a essência do objeto analisado sem deliberar sobre ele.

  • Anumāna : inferência ou julgamento lógico. É a capacidade de inteligir a partir das circunstâncias latentes do objeto analisado. Integrando a lógica com a intuição.

  • Āgama : testemunho confiável ou herança literária fidedigna. Consiste na experiência direta cognoscente (aquele que aprende, conhece) com o cognoscível (o que é conhecido, testemunhado).

 

  1. Viparyaya (conhecimento errôneo ou falso)


    Refere-se à compreensão incorreta ou distorcida da realidade, algo que, no budismo, é chamado de delusão — acreditar no falso (desconhecido pelo sujeito) como sendo verdadeiro e conhecido. Nos dias de hoje, motivado pela subversão da realidade, essa coincidência, que se tornou endêmica na sociedade, é frequentemente chamada de histeria . Ou seja, uma pessoa deixa de interpretar a realidade a partir do que ela realmente apresenta e começa a acreditar que a realidade é o que ela pensa. Um exemplo clássico seria confundir uma corda com uma cobra no escuro.

 

  1. Vikalpa (imaginação ou construção mental)


    Consistem em ideias ou concepções sem uma base concreta na realidade, ou seja, em utilizar a imaginação como padrão para interpretar o que é real. A imaginação é um recurso poderoso da mente humana, capaz de estabelecer conexões, sejam elas específicas ou não, com a realidade. Ela auxilia na organização de ideias e até mesmo no planejamento de projetos.


    O problema surge quando o indivíduo confunde imaginação com realidade. Quando isso ocorre, o imaginário se desordena, desconectando-se da realidade. Em outras palavras, a mente opera por meio de signos, significados e referentes. Isso significa que uma palavra possui um significado, e sua referência precisa necessariamente ter conexões reais com o mundo. Caso contrário, trata-se apenas de algo imaginado, sem substância real.


    Por exemplo, imagine algo que não existe ou crie cenários fictícios baseados em suposições, como: "O rei da França é careca." Essa frase parece plausível até percebermos que não existe um rei da França nos dias de hoje.


  2. Nidra (sono)


    Representa o estado mental caracterizado pela ausência de atividade consciente. No sono profundo, há uma suspensão temporária das outras vṛiktis , mas a mente ainda opera de maneira sutil. O sono desempenha um papel crucial na manutenção do diálogo entre o mundo da vigilância (consciente) e o mundo do sono (inconsciente).


  3. Smṛti (memória)


    Consiste na capacidade de reter e recuperar experiências passadas, sejam elas sensíveis ou subjetivas. Memória e imaginação, em determinados contextos, podem ser compreendidas como aspectos de um mesmo processo, já que só conseguimos imaginar aquilo que já está memorizado, em alguma medida.


    A memória estabelece uma conexão com a nossa história e determina os padrões para a construção de nossa biografia, ajustando-nos à linha do tempo entre o passado e o que pode vir a ser no futuro. Essa capacidade é exclusiva dos seres humanos e, inclusive, uma das faculdades mentais que nos diferenciam de outros animais: a temporalidade cognoscível.


A Verdade é o único caminho à libertação da mente.

Controle das Vṛttis


O objetivo do yoga, segundo Patáñjali, é alcançar o estado de yoga citta vrikti nirodhaḥ (Sutra 1.2), que significa "a cessação das instabilidades da mente". Esse controle das vriktis permite que o praticante experimente o estado de paz e unidade com o eu mais autêntico, culminando em samādhi (iluminação) – a meta do yoga.


Esses conceitos são fundamentais para entender o funcionamento da mente e orientar a prática do yoga como um caminho de autodomínio e liberação, Kayvalian.


Entendemos, portanto, que o caminho do yoga é, antes de tudo, um caminho de compreensão da mente — nossa principal ferramenta para que o yoga aconteça e produza efeitos profundos no praticante dedicado.


Nos próximos artigos, continuarei explorando os conceitos apresentados por Patáñjali nos Yoga Sutras . Lembre-se de que, tradicionalmente, o yoga é definido como uma filosofia prática de autoconhecimento e de liberação dos estados inferiores de existência, conhecida como Māyā (o arquétipo da ilusão).


Que possamos trilhar a jornada do yoga com a alegria de saber que estamos no caminho certo para alcançar o desenvolvimento pessoal mais autêntico e significativo.

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Guest
Nov 17
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Excelente explicação, professor. Obrigado

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