Yoga: Entre a Voz dos Ancestrais e o Clamor do Presente
- Jeff Flausino

- 27 de ago.
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Vivemos em uma era de paradoxos. Avançamos tecnologicamente em velocidade jamais vista, mas nunca estivemos tão distantes daquilo que, de fato, nos constitui. O século XXI, com todo o seu brilho digital e comodidades, também carrega uma estatística sombria: nunca os índices de transtornos de ansiedade, depressão e estresse foram tão altos. É como se a humanidade tivesse conquistado os instrumentos de sobrevivência e, ao mesmo tempo, perdido o fio condutor da própria existência.
É aqui que o Yoga se coloca não apenas como prática física, mas como tradição filosófica, guardiã de um saber ancestral que sobreviveu justamente porque nunca deixou de ser atual. A cada geração, ele exige do praticante não apenas repetição, mas reinvenção, não apenas ecoar as vozes do passado, mas traduzi-las em voz viva no presente.
A Tradição como Pilar
Os Yoga Sūtras de Patañjali, escritos há mais de dois mil anos, já reconheciam que a mente humana é um campo de batalha. Logo em seu segundo verso, encontramos a definição:“Yogaḥ citta-vṛtti-nirodhaḥ” — Yoga é a cessação das flutuações da mente.
Esse enunciado simples e radical ilumina uma verdade imutável: a mente indisciplinada gera sofrimento. Em qualquer época, seja no isolamento das cavernas do Himalaia ou nas avenidas caóticas das metrópoles, a inquietude interior é a raiz da dor humana.
O papel da tradição, portanto, não é congelar respostas prontas, mas oferecer um caminho testado e sólido que atravessou séculos de guerras, transformações culturais e crises existenciais. É nesse sentido que conservar valores não significa permanecer estagnado, mas preservar a direção que aponta para o essencial: a conquista da atenção e da presença.
O Diálogo com a Modernidade
Se, no passado, os mestres alertavam contra a escravidão dos desejos e ilusões, hoje o desafio assume roupagens novas: a hiperconexão, a velocidade da informação e a incapacidade de estar no agora. Vivemos em um mundo que estimula dispersão constante, onde a mente é bombardeada por estímulos e, ao mesmo tempo, incapaz de lidar com o silêncio.
Filosofias modernas, ao exaltarem a relativização absoluta da realidade, acabaram por enfraquecer o discernimento e a solidez do sujeito. Nesse contexto, o Yoga ressurge como uma ponte. Ele não nega a modernidade, o progresso, mas mostra que sem uma mente estável — sem raízes no real — qualquer liberdade se torna prisão, qualquer progresso se converte em caos.
O diálogo, portanto, não é de oposição, mas de equilíbrio: o Yoga oferece ferramentas ancestrais que devolvem à mente contemporânea sua capacidade de habitar o presente, reencontrando clareza e ordem.
Meditação e Atenção como Remédio
Os medas, práticas meditativas enraizadas na tradição, são chaves para enfrentar o colapso psíquico contemporâneo. Onde reina a ansiedade, a meditação cria espaço. Onde há estresse, ela introduz ritmo e pausa. Onde há fragmentação, ela convida à unidade.
Na filosofia yogue, não basta acumular informações; é preciso transformar conhecimento em sabedoria vivida. Por isso, cada técnica respiratória (prāṇāyāma), cada exercício de concentração (dhāraṇā), cada instante de contemplação (dhyāna) é, ao mesmo tempo, herança ancestral e resposta moderna.
Yoga, enquanto pensamento, não é apenas ecoar as vozes do passado, mas ousar deixar que a sua própria voz se erga — clara, consciente e verdadeira.
A Voz que Precisa Despertar
O Yoga é tradição que resiste ao tempo porque, em essência, fala da mente humana — e esta pouco mudou em sua natureza. O que se transformou foram os cenários, as máscaras e os estímulos, mas o vazio interior que busca sentido permanece.
Ecoar os antigos é vital, mas não basta. É preciso aprender a deixar que deles surja a coragem de falar com nossa própria voz. Uma voz que saiba dialogar com os dilemas de hoje sem perder a essência do eterno.
Eis a provocação final: Se os antigos nos entregaram o mapa e a modernidade nos oferece o deserto, de que adianta carregar o mapa sem a coragem de andar? O Yoga não pede espectadores, pede viajantes. E se não for você a caminhar a estrada com atenção plena, quem o fará?



É preciso ser e estarmos “yoga”
Excelente texto.